Um dos quatro suspeitos já identificados pela tortura à Rayssa Christine Machado de Carvalho Sarpi, de 18 anos, atende pela alcunha de Bigonha. Ele é envolvido com o tráfico de drogas na favela Faz Quem Quer, em Rocha Miranda, na Zona Norte do Rio, a mesma onde a jovem foi brutalmente agredida na madrugada do último dia 20.
O vídeo que mostra as agressões à jovem e foi compartilhado inúmeras vezes nas redes sociais nos últimos dias não é o único com imagens relacionadas a Bigonha disponível na internet. No Youtube, o traficante aparece exibindo armas e fazendo ameaças à polícia.
“Imagina o Bigonha bandidão pegando a barca (viatura) de frente com um pentão de 30? Vou fazer estrago total”, diz ele em um vídeo de pouco menos de dois minutos, assistido quase dez mil vezes.
No mesmo registro, num tom de piada em que parece imitar o estilo de apresentadores de programas policiais na TV, o traficante avisa: “Pensa no seguinte: é só traficante violento, entendeu? Não pode esquecer”.
Além de Bigonha, pelo menos outros três traficantes da região, todos pertencentes à facção que domina a comunidade, devem ter a prisão pedida em breve pela Polícia Civil. Eles responderão pelo crime de tortura seguida de morte, uma vez que Rayssa acabou morrendo seis dias após o espancamento. A pena pode chegar a 16 anos de reclusão.
Jovem também teria sido estuprada
Duas novas testemunhas que prestaram depoimento nesta quarta-feira na 40ª DP (Honório Gurgel) relataram que Rayssa Christine Machado de Carvalho Sarpi, de 18 anos, também foi abusada sexualmente durante a sessão de tortura filmada por traficantes da favela Faz Quem Quer, em Rocha Miranda. Elas contaram que o vídeo de cerca de três minutos que correu as redes sociais não foi o único gravado pelos agressores.
Haveria ainda outros dois registros: um mostrando o estupro, que teria sido cometido por vários homens; e um terceiro com trechos mais longos da tortura a que Rayssa foi submetida. As imagens estariam todas armazenadas no celular do traficante que fez as filmagens.
Além da hipótese inicial, de que o espancamento tivesse sido motivado pelo relacionamento de Rayssa com um policial militar, outra versão surgiu no decorrer das investigações abertas pela 40ª DP na noite do dia 23, após a repercussão causada pela divulgação do vídeo. Até então, a família não havia procurado uma delegacia para registrar ocorrência.
De acordo com testemunhas, Rayssa trocou beijos com um gerente do tráfico da Faz Quem Quer durante um baile funk, para onde foi com amigas na noite anterior às agressões. Depois, ao ver o criminoso com outra mulher, ela teria tentado cobrar explicações. Ainda segundo esses relatos, o traficante não gostou de ser interpelado diante da mulher e arrastou Rayssa pelos cabelos em direção a um local mais afastado, onde a torturou com a ajuda de comparsas — um deles, o criminoso conhecido como Bigonha.
Também nesta quarta-feira, um laudo preliminar do Instituto Médico Legal (IML) mostrou que a jovem teria morrido em decorrência de uma pneumonia. Embora a análise definitiva ainda não tenha sido concluída, a hipótese de que Rayssa estivesse com traumatismo craniano ou hemorragia e mesmo assim tivesse sido liberada pelo Hospital estadual Carlos Chagas, onde foi atendida, está a princípio descartada.
Pais não viram imagens
A morte de Rayssa abalou a vida de toda a família da jovem. Na casa simples onde ela morava com o pai de criação, a mãe e os irmãos, numa via residencial do bairro Honório Gurgel, a três quadras de um batalhão da Polícia Militar, todos têm evitado até mesmo sair para a rua. As poucas palavras usadas pelo pai para descrever a perda da filha vieram de dentro da residência, através da janelinha entrecortada na porta de entrada:
— Eu e minha mulher não conseguimos assistir ao vídeo. Só vimos o resultado, o jeito que ela voltou pra casa — disse ele, mostrando mãos trêmulas e olhos vermelhos: — Ninguém aqui sabe direito o que aconteceu. Agora, só peço que respeitem a nossa dor.
Rayssa foi encontrada muito ferida por um tio, às 8h do dia 20, na Rua Paula Viana, onde fica um dos acessos à Faz Quem Quer. De imediato, com a ajuda de bombeiros, o parente conduziu Rayssa ao Hospital estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes.
— Achei a Rayssa com os olhos inchados, cheia de hematomas na cabeça e pelo corpo todo. Ela parecia desnorteada. Chegaram a cortar o couro cabeludo dela para escrever a sigla de uma facção — contou o tio.
A assessoria da Secretaria estadual de Saúde informou que a jovem passou por tomografia computadorizada e radiografia na mão esquerda. Como os exames não apresentaram alteração ou fratura, ela recebeu suturas e curativos. Após ficar em observação por algumas horas, teve alta da unidade.
Ao longo da semana, Rayssa seguiu sentindo muitas dores, inclusive na cabeça. Ela também apresentava confusão mental e parecia ter esquecido detalhes da agressão, o que impediu que seu depoimento fosse colhido pelos policiais que estiveram em sua casa. A intenção era aguardar que a jovem apresentasse uma melhora para ouví-la, mas isso não foi possível.
Na manhã de sexta, seis dias após as agressões, os sintomas pioraram. À noite, ela foi levada novamente ao Carlos Chagas, onde — ainda de acordo com a Secretaria de Saúde — já chegou em parada cardiorrespiratória. Ela foi enterrada na tarde do último domingo, no Cemitério do Caju.
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