A mãe da menina maltratada pelo padrasto em Araçatuba (SP), Sara de Andrade Ferreira, de 21 anos, falou pela primeira vez sobre a suspeita da polícia de que ela sabia da existência dos vídeos em que o marido, o empresário Maurício Moraes Scaranello, de 35 anos, torturava psicologicamente sua filha, de dois anos. Em um dos vídeos encontrados pela polícia no celular de Scaranello, que está preso desde o dia 26, ele impede a menina de dormir dando gritos para que ela permaneça acordada. Em outro, o padrasto dá uma cebola para a menina e insiste: "Come, é maçã".
Sara afirma que nunca imaginou que o marido fazia isso com a menina. "Na hora em que vi os vídeos senti muita raiva, porque até então eu confiava nele, eu deixava minha filha com ele. Nunca imaginei que isso ia acontecer, que ia vim da parte dele. O que ele fez não é certo, por mais que ele julgue que é uma brincadeira. Lógico que ele errou, ele está totalmente errado, tanto que está onde está", diz.
Scaranello está preso desde o dia 26. Ele já prestou depoimento duas vezes e justificou os vídeos como uma "brincadeira" entre ele e a menina. O empresário foi transferido nesta sexta-feira (3) para a penitenciária de Andradina.
Sara também foi indiciada por tortura após o laudo da perícia feita no computador e nos celulares do casal apontarem que ela participava de alguns vídeos. A jovem perdeu a guarda da filha, que foi levada para um abrigo provisório até que o Conselho Tutelar decida com quem ela deve ficar.
"Tudo que estão falando tem me magoado, porque ninguém conhece meu coração, as pessoas estão falando que eu sabia dos vídeos, eu não sabia de maneira nenhuma. Foi um susto pra mim, demonstra que eu não conhecia a pessoa com quem eu morava. Tudo isso está sendo um choque pra mim. Os vídeos têm sido um choque pra mim, procuro nem ver televisão porque isso me magoa demais."
Em vídeo, criança aparece querendo dormir e
padrasto não deixa (Foto: Reprodução/ TV TEM)
O empresário foi preso no dia 26, na casa onde mora, em um condomínio de luxo emAraçatuba (SP). A polícia disse que a menina estava trancada sozinha dentro de um quarto e que encontrou fotos da enteada nua no celular dele.
A mãe da menina nega que tenha havido qualquer tipo de abuso contra a filha. "Um dia, depois de dar banho na minha filha, pedi pro meu marido tirar foto dela porque o celular dele tem resolução melhor que o meu. Eu tenho certeza que as mães que ficam me julgando, me chamando disso e daquilo, eu quero saber qual mãe que nunca tirou foto da sua filha pelada assim que saiu do banho ou tirou foto da sua filha porque ela tá fazendo umas poses. Tá todo mundo falando que eu sou um monstro, que é um absurdo, qual mãe que nunca fez isso?", questiona.
Sara diz que ainda não falou com o marido depois que o caso veio à tona. "Não conversei com ele em nenhum momento, mas sinto ódio, porque não é certo. Por causa disso que ele fez eu perdi minha filha, perdi minha joia preciosa. Quero que ele pague por tudo que fez, eu estou pagando um preço muito alto. Não tenho mais a minha filha, que é a minha vida, por quem eu sempre lutei."
Apesar de ter perdido a guarda da filha, ela responde por enquanto em liberdade. "Quero ela do lado da minha família. Nao vejo a hora de acordar desse pesadelo e ver que tudo passou. Está sendo tudo um pesadelo pra mim", conclui.
Novos vídeos
A polícia divulgou na quinta-feira (2) novos vídeos da menina gravados pelo padrasto. Em um deles a criança chora pedindo mamadeira, mas o empresário se recusa e diz que só vai dar se ela o chamar de "papai". No outro, o empresário canta uma música e ao final dá um tapa na testa da menina. (Veja as duas cenas ao lado).
Segundo informações da delegada titular da Delegacia de Defesa da Mulher, Luciana Pistori, o padrasto disse, em depoimento, que os vídeos faziam parte de uma brincadeira. “O padrasto disse que era tudo uma brincadeira e em nenhum momento ele queria judiar da criança. Acho que ele tinha consciência das atitudes que tomou", afirmou.
Denúncia anônima
O caso foi descoberto no dia 26, quando o empresário foi preso na casa onde mora, em um condomínio de luxo em Araçatuba (SP), após uma denúncia anônima. Segundo a denúncia, Maurício Moraes Scaranello, de 35 anos, usava cola de forte aderência para manter a menina sentada.
A polícia encontrou no celular do empresário vídeos onde ele impede a criança de dormir e dá cebola à menina dizendo ser maçã. (Veja ao lado e abaixo)
O laudo do Instituto Médico Legal, divulgado na quarta-feira (1º), apontou que a menina teve lesões causadas por cola de alta adesão. O documento confirma o teor da denúncia que levou à prisão do empresário. Mas, em depoimento à polícia ao ser preso, ele afirmou que a existência de cola na menina era fruto de um "acidente".
O laudo traz informações detalhadas das partes do corpo da menina atingidas pela cola e atesta também que ela não sofreu nenhum tipo de abuso sexual. O resultado foi anexado ao inquérito, que deve ser concluído ainda esta semana.
Indiciamento da mãe
A Polícia Civil de Araçatuba (SP) indiciou na quarta-feira (1º) a mãe da criança.Sara de Andrade Ferreira, de 21 anos, perdeu a guarda da filha e responderá em liberdade pelos mesmos crimes do marido.
Segundo informações da delegada titular da Delegacia de Defesa da Mulher, Luciana Pistori, o laudo preliminar da perícia feita no computador e nos celulares do casal aponta a existência de mais vídeos de maus-tratos onde Sara aparece nas gravações, inclusive segurando a câmera.
"Depois da descoberta da existência de novos vídeos, onde em alguns deles a mãe inclusive está filmando, ambos foram intimados novamente para que esclareçam as circunstâncias em que ocorreram aquelas outras filmagens. Foi comprovada uma certa participação da mãe da criança nos atos criminosos e ela foi indiciada pelo crime de tortura e porte de fotos pornográficas de criança”, explica a delegada.
Maurício deu depoimento à polícia nesta quarta-feira (Foto: Reprodução / TV TEM)
Prisão mantida
Ainda na quarta-feira, a Justiça decidiu manter o padrasto preso. O juiz que analisou o caso negou o pedido de relaxamento de prisão feito pelos advogados do acusado. Na decisão, ele já adianta que nega também a liberdade provisória. As justificativas são: preservar provas para o inquérito, preservar a criança e riscos de integração física e retaliações contra o suspeito. O advogado da familia tambem foi procurado para comentar a decisão da Justiça, mas não atendeu às solicitações da reportagem.
Revolta do pai
O pai da menina, o funileiro Anderson Luiz de Souza, de Nova Luizitânia (SP), não se conforma com os vídeos em que a filha aparece sendo vítima de maus-tratos. “Não havia procurado a imprensa até então porque quero fazer tudo certinho, conforme a lei, mas estou muito revoltado. Queria ver ele e o advogado – que disse que se tratava de uma brincadeira – comer uma caixa de cebolas. Isso é brincadeira que se faça com uma criança? Foi um absurdo. Acredito que Deus mostrou isso agora para evitar coisa pior no futuro”, afirmou o funileiro ao G1 na quinta-feira (2).
Ele disse que não conhecia Scaranello e só o encontrava quando ia entregar a menina. “A mãe tinha a guarda, mas minha filha ficava comigo no fim de semana. Nunca constatei nada além de comentários que ela fazia sobre o padrasto ser 'bobo' e 'mau', mas achava que era coisa de criança. Até questionava se era bem tratada, mas ela mudava de assunto e nunca me falava nada. Passei a estranhar porque minha filha se comunica muito bem.”
O funileiro já pediu a guarda da filha, que foi levada para um abrigo provisório. A menina ficará no abrigo até que o pedido do pai seja avaliado. Se isso não acontecer, ela irá para a casa de outro familiar. “Espero sinceramente que minha filha venha morar comigo. Fica agora a revolta e a esperança de que a Justiça se encarregue de investigar e punir corretamente quem tiver feito isso com ela”, finalizou o funileiro.
G1